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quinta-feira, 8 de abril de 2021

A nova Praça Quinze precisa dizer a que veio

A reforma urbana que devolveu à Praça Quinze a sua magnitude como ponto de referência fundamental do Centro e da própria Cidade do Rio de Janeiro mostra estar incompleta. O primeiro chão pisado por Dom João VI e pela corte portuguesa em 1808, naquela que viria a ser a capital provisória do reino por mais de uma década, sofreu inúmeras transformações ao longo de mais de 200 anos, sem perder, contudo, a sua importância estratégica para o Rio.

O mar foi afastado para bem além do chafariz do Mestre Valentim; um terminal de transporte marítimo de passageiros foi criado; ruas foram abertas para a passagem do tráfego e a instalação de pontos terminais de linhas de ônibus; um mercado municipal foi erguido e, depois, demolido, para a construção de uma via elevada sobre esse arruamento; uma passarela de pedestres para dar acesso à estação das barcas, sobre a rua e sob o elevado, foi construída e depois posta abaixo; um mergulhão desviou parte do trânsito e dos pontos de ônibus para debaixo da praça; e, por fim, simultaneamente, o túnel subterrâneo foi remodelado e aumentado e o elevado demolido, surgindo dessa última intervenção uma bela esplanada, mais ampla. 

Tudo muito bom, exceto por um detalhe: a Praça Quinze, que vê passar uma considerável massa humana em deslocamento entre o Rio e Niterói, ficou isolada, em termos de mobilidade. Um contingente de cerca de 45 mil passageiros diários (que já esteve em 90 mil no início da década, porém vindo em queda notória a partir de 2014) transita pelo local, a maioria procedente da antiga capital do estado, praticamente sem opção de integração modal para deixar as barcas e seguir viagem para além das cercanias do Paço Imperial. O único modo de transporte disponível à porta da estação é o VLT, o veículo leve sobre trilhos, nosso bonde moderno, cujo terminal da Linha 2 atende o local. 

A demolição do Elevado Juscelino Kubitschek (Perimetral) foi polêmica, porém teve o mérito de lançar a semente de um processo de revitalização do Centro da Cidade. A essência de sua existência, que era atender o tráfego expresso cortando a região do Centro desde o Aterro e o Aeroporto Santos-Dumont até o limite da Zona Norte, junto à Rodoviária, facultando a saída rápida da cidade em direção à Ponte e à Avenida Brasil, foi preservada: esse fluxo tem à disposição hoje o Túnel Prefeito Marcello Alencar, uma via com maior capacidade de tráfego do que o sistema anterior 

Ocorre que o trânsito local, que seguia pelo mergulhão anterior e dava acesso aos passageiros do modo rodoviário à Praça Quinze, ou foi engolido pelo novo túnel, ou foi afastado para a Rua Primeiro de Março e a Avenida Rio Branco, ou simplesmente desapareceu, com o remanejamento mal feito das linhas de ônibus, que incluíram mudanças bruscas de itinerário (algumas foram remanejadas para a Lapa ou até o Túnel Santa Bárbara, muito longe das Barcas) e cortes de serviços, na presunção de que o metrô deveria absorver essa demanda. Isso tem desertificado a Praça Quinze, a despeito da existência da própria estação hidroviária e da proximidade do fórum, da Assembleia Legislativa, do Paço Imperial e de outros polos de atração de passantes. 

O VLT não é eficiente em atender a integração, especialmente se o destino de quem chega de Niterói (ou da Ilha do Governador ou ainda de Paquetá, porém em muito menor escala) for a Zona Sul. Os ônibus das poucas linhas que restaram, e estão totalmente desorganizadas em suas nomenclaturas e itinerários, passam a dois longos quarteirões de distância, na Avenida Rio Branco, considerando uma linha reta pela Rua Sete de Setembro – por onde segue a Linha 2 do VLT, cuja primeira estação a partir do terminal das barcas, Colombo, fica no entroncamento de ambas. Se a opção do passageiro for o metrô, o deslocamento é ainda maior e o bonde moderno não lhe serve: será preciso meandrar a pé por ruas como a Assembleia ou a São José, até a estação Carioca, um suplício para quem não conhece bem a região ou está com pressa. 

Entretanto, tenho absoluta convicção de que pode ser exatamente o bonde do século XXI a resolver este problema. Continuando o processo de valorização urbana do Centro, a minha proposta a respeito é a implantação de um novo serviço, que eu chamei de Linha 4, cujo traçado, começando junto com o da Linha 2, nas proximidades das barcas, varrerá outros nichos da região central, contribuindo para um deslocamento rápido e eficiente, cuja infraestrutura se harmoniza com as construções históricas e os elementos modernos da arquitetura urbana local. 

Neste traçado novo, eu vejo a Rua Santa Luzia e as ambiências da Ladeira da Misericórdia, da Santa Casa, da igrejinha que um dia foi à beira-mar e da Academia Brasileira de Letras. Vejo integração na Cinelândia, com o metrô (linhas 1 e 2) e com o próprio VLT, pelas linhas 1 e 3, dando acesso ao Aeroporto Santos-Dumont. Vejo o Passeio Público, um lugar de contemplação e de efervescência comercial e cultural a ser resgatado. E vejo a Lapa, da boemia, da feira de antiguidades e da pulsante vida carioca, contemplada com um transporte de qualidade à altura de sua tradição. Enfim, do final de sua passagem pela Avenida Gomes Freire, vejo o entrelaçamento com o traçado da Linha 2 levando à SAARA e à Central do Brasil, onde o meu projeto termina. 

Com essa implantação, o ilustre passageiro, relaxado pelas belezas naturais favorecidas de se ver pela viagem que corta a Baía de Guanabara, passa a ter uma real opção de integração para diversos pontos da cidade, tão logo aqui chegue. E novas vias, como as ruas Santa Luzia e do Passeio, podem ser revitalizadas, com a supressão do tráfego de veículos. Um novo sistema pode se firmar, no que precisará contar, também, com o reestudo do trajeto de linhas de ônibus e o reposicionamento de seus terminais no Centro, inclusive com a transformação da maioria delas em circulares efetivas, contribuindo-se assim para a requalificação da região e o aprimoramento da mobilidade urbana.

2 comentários:

  1. Inteligente o seu plano viário de reintegração da Praça XV.
    O carioca precisa contar com mais opções de mobilidade.

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