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domingo, 5 de setembro de 2021

Caos institucionalizado

É grave a crise. Que começou longos anos atrás, com a desditosa ideia dos consórcios, na administração anterior de Eduardo Paes - que veio junto com a estupidez da padronização da pintura da frota, tirando do público usuário uma informação visual relevante sobre o seu ônibus de desejo. Passou pelo governo de Marcelo Crivella e segue sem solução, nessa nova era Paes. Desde o início desse processo mal concebido, cada empresa continua a ter as suas linhas, só que essas linhas são, ao mesmo tempo, de todas elas. Quatro consórcios que existem apenas no papel, todos com o mesmo endereço-sede, por coincidência no mesmo domicílio da entidade sindical patronal que os representa.

A reboque da reestruturação administrativa da coisa, houve uma reorganização desastrada, pessimamente feita, das linhas do sistema, principalmente depois da implantação dos BRTs TransCarioca e TransOlímpica, que, para início de conversa, contou com a extinção de trajetos que não deveriam ter sido extintos. E acabaram acontecendo várias reversões de iniciativas desse tipo, como no caso da linha 766, que voltou a ligar o Hospital Cardoso Fontes, na Freguesia (Jacarepaguá), a Madureira, mantendo os mesmos níveis de passageiros transportados - provando que a supressão da ligação foi incorreta.

Ocorreram ainda encurtamentos, de outras linhas, em locais errados, como aconteceu com a 636, que sai da Praça Saens Peña (Tijuca) em direção a Gardênia Azul (Jacarepaguá), e foi cortada, primeiro, em Madureira; depois, foi restabelecida até a Praça Seca e, agora, está corretamente alojada no terminal de integração do BRT no Tanque, embora mantendo a vista Praça Seca e, com isso, privando o passageiro desavisado da prerrogativa de chegar a um ponto mais favorável para integração, dentro de Jacarepaguá!

Mas uma das piores medidas foi, sem dúvida, o corte abrupto, em Botafogo, de linhas que ligam a Zona Oeste carioca, mormente localidades de Jacarepaguá, ao Centro, pela Zona Sul. A interrupção dos itinerários foi feita junto ao shopping Rio Sul, quase à entrada da via expressa que completa a chegada à região central (o Aterro do Flamengo), com as linhas sendo espalhadas em terminais improvisados, sem acesso a uma estrutura que acolha decentemente essa demanda e termine o trajeto até o Castelo - como seria o caso do metrô, que possui estação relativamente próximo dali! Estabeleceu-se, deste modo, uma integração que eu chamo carinhosamente de 'coitus interruptus', uma vez que acaba com a viagem do ilustre passageiro de repente, quando ele já está bem perto de gozar o benefício de chegar ao seu destino. Ora: ou se alimenta o metrô com esse público bem antes, no Jardim Oceânico, tirando ônibus de São Conrado, Gávea, Jardim Botânico, Leblon, Ipanema e Copacabana, ou se leva esse contingente, sem baldeação, logo até o Centro, como se vinha fazendo. Forçar a transferência, no meio da rua, em calçadas estreitas, sob sol e chuva, quando faltam menos de 5% do percurso e sem ganho para ninguém, é invenção de espírito de porco!

Sou observador do sistema de transportes do Rio desde criança e escolhi esse ramo como carreira profissional em função do gosto pela coisa. Por isso, posso dizer que, em quase seis décadas de vida, nunca vi o ramo padecer de uma desorganização tão avassaladora e de uma falta de disposição para o enfrentamento do problema tão flagrante, como estamos presenciando nesses tempos. Estamos rodando totalmente sem rumo, fora da rota.

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Comentário postado no Facebook, feito à matéria 'Justiça aceita pedido de recuperação judicial do Consórcio Intersul', publicada em O Dia em 04/09/2021